Se tem uma prova que entrou para a minha lista esse ano, foi o Ironman 70.3 de Foz do Iguaçu, que aconteceu mês passado. Não fiz, mas acompanhei vários amigos e vários atletas que escolheram a prova para estrear na distância de meio Ironman. O lugar eles acertaram, mas a prova foi um desafio além da distância e com certeza todos que estrearam estão prontos para qualquer outra! 😉

Conversando o Rafa Gallego, um dos que estreou na distância, ele me enviou um relato da prova incrível que eu pedi para publicar aqui para vocês! Uma típica prova de estreante, o clima, os contra tempos, o nervosismo e a alegria e sentimento que só um Ironman (seja 70.3 ou full) oferece, de sofrer e ao mesmo tempo querer tudo de novo. Rafa SUPER PARABÉNS E SUPER OBRIGADA por compartilhar sua conquista com a gente! 😉

rafa

“Marinheiro de Primeira Viagem                

Em 2010, participei de um treinamento de produtos de corrida com palestras do Ciro Violin (tinha acabado de ser campeão no age group em Kona) e com a Carla Moreno. Ambos contaram um pouco das suas experiências no triathlon, mostraram vídeos de algumas provas ao redor do mundo e a partir dali surgiu um novo sonho: fazer um IRONMAN. Com a agenda maluca, mudança de emprego e principalmente falta de informação, comecei os treinos de triathlon apenas em Dezembro de 2013 e logo depois me inscrevi para o 70.3 de Foz do Iguaçu. A partir dali, minha rotina mudou completamente: dois treinos diários de 2ª a 6ª feira e o longo no sábado. Minha evolução foi extremamente rápida e a confiança aumentava a cada treino – o objetivo de “simplesmente conseguir completar o 70.3” deu lugar ao “completar próximo a 5h de prova”.

Acompanhamento nutricional, tempos abaixando e volume de treinos aumentando, eis que a 1 mês e meio da prova, o corpo gritou forte: uma tendinite com dor aguda no ombro direito. A dor era tão forte que me afastou não só dos treinos de natação, mas de todos os outros. Foram duas semanas sem treino algum, somente tratamento de fisioterapia e acupuntura exatamente quando o volume de treinos se aproximava do pico, uma das fases mais importantes. Voltei a pedalar e correr preocupado em tirar o atraso dos dias perdidos de treinos e uma nova lesão apareceu. Dessa vez uma fascite plantar com dor muito forte no calcanhar dava as caras. Como não podia mais perder treinos, por conta decidi correr na esteira para reduzir o impacto no calcanhar, mudei a passada e comecei a pisar com a parte medial dos pés para também poupar o calcanhar e aí foi a vez das panturrilhas gritarem – foram muito exigidas e a partir daquele momento nunca mais foram as mesmas.

No mês da prova, cumpri todos os treinos, mas estive sempre acima do pace para não correr o risco de agravar a lesão nas panturrilhas. Enfim, chegou a semana da tão sonhada prova – dores quase zeradas, confiança alta, ainda que não tivesse feito o final de preparação que imaginei, mantive a meta de 5h00 de prova e me joguei para Foz do Iguaçu.

Pela programação, a retirada de kits começou na 5ª feira e iria até 6ª no fim do dia. O bike checkin começaria na 6ª a tarde e iria até a noite. Decidi resolver tudo em apenas um período: fui na 6ª a tarde retirar o kit com sacolas para a transição e fazer o bike checkin. Montei tudo o que precisava nas sacolas minutos antes de entregar a bike. Claro que esqueci diversos itens, como viseira, géis, toalha para enxugar os pés na T1, entre outros.

Aprendizado: o ideal é retirar o kit no primeiro dia, separar com calma tudo o que será utilizado durante a prova, mentalizar as transições para que nada seja esquecido. (No dia da prova, consegui levar algumas coisas que havia esquecido para colocar nas sacolas.)

Dia da Prova

30 de Agosto. Nove meses esperando por esse dia. Dia lindo! O sol prometia aparecer com força e os atletas no café da manhã do hotel já estavam extremamente concentrados. Tomei o meu café, preparei duas bisnaguinhas com geléia para carregar comigo na bike e partimos para o local da largada.

Consegui colocar na sacola do ciclismo os géis que havia esquecido, enchi as caramanholas de água gelada, coloquei a roupa de borracha e parti para o aquecimento. Coloquei o pé na água e ouvi: “a partir desse momento, todos os atletas devem deixar a água para nos prepararmos para a largada dos profissionais”. Bateu o desespero! Na hora, veio na cabeça me jogar na água e sair nadando, fingir que não estava ouvindo nada para que pudesse aquecer o mínimo possível. Atletas saindo da água e eu entrando, desviando, até que um dos caiaques apareceu na frente e pediu para que eu saísse. Aqueci por 4 minutos.

Largada dos profissionais estava para acontecer. Ao meu lado, um atleta comenta com o outro: “o pneu da minha bike estava no chão – tive que trocar.”

Ai caramba!!! Eu não havia checado a calibragem dos pneus!!! Voltei até a bike correndo, escuto de longe a largada dos prós. Pneus ok! Corro para a largada que seria dada em 5 minutos para os amadores.

Largada!

Natação

Tranquila e dentro do tempo esperado. Como foi no lago do Iate Clube, a água estava paradinha, com temperatura agradável. Consegui fugir da muvuca e nadar com poucas pessoas ao redor. A T1 foi ágil e saí para o pedal.

Bike

Estrada de pedriscos para sair do Iate Clube em direção a Itaipu Binacional – trecho de aproximadamente 22km. Próximo ao km 10, o primeiro posto de hidratação. Encostei para pegar água e ao voltar a pedalar, percebi um atleta passando pela esquerda e jogando a bike para o meu lado – não sei se viu o posto tarde e tentou me ultrapassar para pegar a caramanhola um pouco mais a frente, mas calculou totalmente errado e jogou a bike pra cima da minha, o que chamamos de “fechada” quando estamos dirigindo um automóvel. Batemos. Ele saiu “cambaleando” e seguiu em cima da bike. Eu bati na guia do lado oposto ao posto de hidratação e desliguei. Levantei em um gramado (minha sorte foi não ter caído no asfalto, e sim em um terreno gramado). Bike a uns 10 metros de mim, ombro e joelho ralados e algumas pessoas oferecendo ajuda. Alguém trouxe a bike até mim e reparei que havia perdido todos os géis, bisnaguinhas, caramanholas com a suplementação, cápsulas de sal, Advil, etc. Saí caçando tudo e encontrei apenas dois géis abertos. Consumi um ali na hora e o outro prendi novamente na fita do quadro da bike. Chequei pneus e freios – aparentemente, nada havia acontecido com a bike. Voltei a pedalar ainda meio “zonzo”, tentando entrar no eixo, sem ritmo e recalculando em que momento da prova tomaria aquele precioso gel sobrevivente. Cheguei até a Itaipu Binacional e ainda restavam pouco menos de 70km de pedal. O sol já castigava, o vento era forte e a organização havia planejado uma surpresa: o percurso não era tão plano como informado. Curvas deixavam o pedal extremamente truncado, diversas subidas e descidas. Em uma das curvas, percebi que o freio estava jogando a roda traseira para o lado – com a queda, o freio desregulou e fui obrigado a ter mais cautela nas diversas curvas do percurso com medo de perder a traseira da bike e ir pro chão de novo. Sentia que estava pedalando pesado, não conseguia chegar na média de velocidade dos treinos. Tomei o último gel próximo ao km 50 e decidi que procuraria, na última volta do ciclismo, atletas que estivessem cheios de gel para uma doação. Consegui logo com o primeiro que pedi. Ao final do ciclismo, senti que estava com as pernas pesadas e longe do tempo que pensei fazer. O psicológico dava sinais de que poderia me segurar ou me empurrar durante os 21km de corrida que estavam por vir.

Corrida

Passando pela arquibancada, minha noiva e alguns amigos gritavam muito e ali senti que o psicológico estava ao meu favor. Eu tinha que voltar para aquele ponto para abraçar e agradecer a cada um deles, independente do meu tempo final (que já não importava mais). No km 2 uma pequena elevação e a panturrilha, meu pesadelo nas semanas que antecederam a prova, berraram! Reduzi o pace especialmente nas subidas e segui, sentindo que a qualquer momento elas poderiam travar de vez. Mais uma subida e um novo berro! Psicológico forte… dali em diante, decidi que caminharia em todas as subidas e correria no plano e descidas. No km 10 uma subida íngreme de 1,5km, toda ela caminhada, com um prêmio no topo: uma vista maravilhosa da Itaipu Binacional. Mais 8km entre corrida, trote e caminhada até os 200 mts finais. Já era possível ver o pórtico de chegada e ouvir o locutor com o microfone. Mesmo com os 32° na cabeça, uma descarga de adrenalina me fez arrepiar inteiro ao voltar no tempo. O clique para finalizar a inscrição para a prova, as planilhas de treino, as subidas na balança para checar o peso, a queda da bike, as negativas para doces oferecidos, o gel sobrevivente, os aniversários com “visitas de médico” para estar inteiro na manhã seguinte, as lesões, a família, o pedal sinistro com dilúvio na Rio-Santos, a noiva, amigos e a funcionária da academia que enxugava o chão molhado da sala de spinning a cada treino de 2 horas. Veio o choro! Cruzei a linha de chegada com amigos gritando o meu nome, pessoas me parabenizando e o choro aumentou. Olhei para trás por 10 segundos e pensei: “Quero tudo de novo, mas não precisa ser tão sofrido!”

Fechei a prova em 6h06min… 1 hora acima da meta. Isso já não importava mais.

No bike checkout, percebi que uma das pastilhas de freio traseiras estava completamente gasta, ou seja, após a queda pedalei com essa pastilha raspando na roda. Fiz mais força que o necessário. Como não percebi isso? Estava anestesiado com a vibe do IRONMAN!”

rafamedalha